Cerebrais – Tentáculos

Ilustração: Max Miranda
Max Miranda
O que é a história dos dias? Será que, no canto de bruta-existência, isoladamente, é ágil o bastante para manter o mundo sob controle? O controle é o meio técnico. Não se preocupe, alguém assistirá ao canal íntimo que nos rodeia. Ao mergulhar em constantes ritmos fluidos? Não. Nem precisa ligar o fato com o tato. Mesmo no escuro, a biografia é reluzente em dia de sol. Quero dizer que o dia de um não vive sem o dia dele. Do tempo incontrolável de nós.
Águas de chuva: ou bueiros que entopem um a um devido aos “papéis de bala” jogados pela janela do carro. Multidão descontrolada em idas-vindas asfálticas. Ou você caminha rápido ou ficará na sua-nua cor de sangue, quente no concreto, filtro das horas viventes no espaço de andares vivos: ao nosso redor e, ao mesmo tempo, sinais de violência e doçuras escondidas; fortes, presença caótica e buzinas: manifestantes de especiais pudores que funcionam como viveres abertos.
Se sim ou não, os quatros cantos – norte-sul-leste-oeste – consomem a cor vital?
Esfaimada. Os espaços da teia concreta pertencem ao caos ou estão ao léu? Pertences públicos entregues ao fim de uma pura existência de contínuas crias; formas barram ao passar pelo fio da meada criada a umbigos e particípios íntimos: do ser que é ser e ser e ser. Selado. Espaços construídos na cidade em termos íntimos. E o democrático riso é feito de pano. A democrática-bio-forma fica nas mãos ou nos olhos ou nos cérebros de uns e outros poucos sozinhos brincalhões: distúrbios, manias e perversões – inteligências e manipulações.
Cenário negro? Natureza-verde, sem efeitos especulativos. E pronto. Consumos inconscientes ou nada disso. Justaposições que se leem e nem acham que foram e que vão; só repetição. O importante é ser o caminho de si para fluir o caminho do outro: trânsito é disciplina e paciência no volante. Quando voltar do destino, ninguém descobrirá onde foi partido o tempo que se foi proposto pela cidade. Viver em meio concreto, e também se ver no parque de vísceras que pulsam. Também no parque de dentro.
“Qual a influência dos florais de Bach na música de Beethoven?” Há perguntas cotidianas e há ainda respostas ancestrais em meio ao tudo de hoje – rir nos vales. Viver agora é enfrentar o equívoco invólucro de sentidos inacabados do pensamento. Que pensamento de deixar lixo na porta de casa? A rua é limpa. Somos nós a pura fatia estragada que podemos?
Linhas-pálpebras
Outra pergunta: sobre os dias de hoje, é cabível saber qual a parcela de culpa da pálpebra caída da outra face da visão? A vista sobrepõe-se ao total da flâmula em cinza ou outra cor; mal pude acreditar nos tratos carnais da alma alheia, pois em completa queima estava. Mas prosseguimos o inacabado teatro de nós: olha essa ação.
É feia, suja… Banco de espera de ônibus, ou melhor, ponto de ônibus. Lugar de esperar a condução para casa – e casa é um lugar que se volta –, pois há um fluxo. Hoje, muitos não colocam a bunda no banco. Colocam os pés-lamas. Sujam o banco para o outro. Cidadania ou só cidade mesmo? Ponto de ônibus, com chuva ou não, o diálogo conserva a nossa fiação com os leões-vivos do dia a dia. Viveres são contatos e calores: onde tem muito concreto, têm abstratos derretendo. Onde há o verde no foco da metrópole, há expedição imobiliária em corte fundo de navios terrestres. E de vivência urbana, o buraco desenha o traço do trajeto. Ruas de canais. Ruas de ilhas. Árvores em puro fresco dia.
As borboletas que se pensaram casulo, põem-se em destino do laço com o existido inteiramente livre: e só agora sexos são diversidades publicadas. Quem faz gênero é a papuda que ainda é sapo, nem príncipe, nem princesa. Chuvas de granizo que abarcam os nós de amontoados em sangue e pele. Humanos crus e de frente e de trás. E fomos nós outra vez acordar o dia: cada um sabe disso.
Texto publicado na decima 15ª edição da Revista Zelo

Deixe um comentário