O isolamento que nos foi imposto pela pandemia do novo Coronavírus alterou profundamente o modo como trabalhamos e o significado do lugar onde vivemos. Com a quarentena e, consequentemente, a necessidade de ficarmos mais tempo em nossas casas, veio uma nova percepção dos ambientes, do espaço que habitamos, e a necessidade de entender, adequar e reconfigurar a casa, valorizando a sua importância. O impressionante aumento de pequenas reformas e das vendas nas lojas (tanto online quanto físicas) de acabamentos, tintas e outros materiais de construção, móveis e eletrodomésticos só vem confirmar esse fato.
Também a decoração passou a estar no cerne desse novo olhar, que ressignifica a nossa rotina e os nossos espaços de convivência. Mais do que nunca, a casa é refúgio, é acolhimento, é segurança, e a decoração emerge como um meio de adaptação e de configuração do lar, de criação de interiores acolhedores, confortáveis e nos quais possamos imprimir e reconhecer a nossa identidade.
Assim, a sensação de “lar” se torna cada vez mais relevante. Um “lar” abarca os conceitos de família, interação, privacidade, identidade pessoal. Quanto a esse último item, pode-se dizer que um “lar” (em oposição a uma “casa”) está estreitamente ligado à identidade de seus proprietários, porque os indivíduos tentam se expressar através da personalização do ambiente e seus objetos, como uma maneira de se apresentarem e de se representarem. Um lar se compõe de atributos que o tornam um lugar amigável e provocam uma sensação de satisfação.
Como meio de promover aconchego e personalizar o espaço, entra em cena, também, o que se denomina “decoração afetiva”. A decoração afetiva é um conceito de design em que se busca contribuir para que o ambiente tenha “a cara” do dono. Para isso, é preciso agregar aquilo que o morador valoriza emocionalmente e que o representa como indivíduo.
A decoração afetiva humaniza o espaço, trazendo as referências que fazem parte da história de vida do morador, as memórias positivas, os objetos de família que lhe são caros, os presentes recebidos dos amigos queridos, as fotografias de momentos preciosos, as lembranças de viagens, as peças com as quais o morador se relaciona de modo especial e que, de alguma forma expressam quem ele é e o que para ele é relevante.
Muito mais do que a escolha de peças que componham um cenário “de novela”, o atual momento valoriza referências diversas para compor um ambiente que não pareça impessoal. Um espaço que “faça sentido” aos moradores será muito mais bem resolvido, caloroso e aconchegante do que outro pensado com uma “precisão cirúrgica” e milimetricamente perfeito no que se refere apenas a técnicas e critérios estéticos.
A decoração afetiva revela uma outra perspectiva sobre as coisas e para a ambientação de uma casa. Para que essa casa reflita o fato de que ali também existe um lar, é necessário respeitar a história das pessoas e a carga afetiva do espaço e dos objetos que o preenchem.
Uma decoração que vai muito além de preocupações meramente estéticas é uma das principais tendências apontadas pelos especialistas em design de interiores para depois da pandemia, inclusive. Outra tendência, especialmente após o fenômeno generalizado do home office, é a procura por peças funcionais que possam ser convertidas e adaptadas a propósitos de uso variados. A simplicidade e a durabilidade ganham proeminência, assim como a praticidade.
Isso não significa, porém, que a estética seja renegada ou desprezada. A busca pela alegria ao estar em casa também se traduz na beleza e na harmonia de cores, formas, texturas, e esta demanda por pequenas maneiras de criar impacto visual positivo no interior das casas também tem sido observada.
Parece inegável o fato de que o mundo jamais será o mesmo. Nem é razoável que, depois de tudo, não ocorra uma mudança substancial em nosso modo de existir no mundo. O supérfluo deverá dar lugar a tudo que realmente importa, àquilo que tem, verdadeiramente, utilidade e valor.
A decoração, como ferramenta e instrumento para proporcionar bem-estar e qualidade de vida às pessoas, nada tem de desnecessária. E, como manifestação e expressão do ser, ela também refletirá a ideia de que “o menos é mais”, descartando excessos e priorizando a qualidade, o aproveitamento dos espaços ociosos e de todo o potencial que a casa nos pode oferecer, bem como a valorização da proximidade com a natureza, através do uso de matizes terrosos e do maior destaque para as plantas. O mobiliário emocional, que tem história, não deixará de ter o seu lugar, pois, nessas tendências pós-pandemia, o deleite dos olhos também irá afagar o coração, gerando novas memórias, sentimentos, sensações.
Enfim, para que direção esses novos tempos apontam, no que se refere à decoração? Na direção de uma religação, uma reconexão interior, para o resgate de valores humanos que se refletirão no espaço que ocupamos. Um espaço dentro do qual se encontre e se projete a alegria de (con)viver.
Alessandra Gomes, designer de interiores, pós-graduada em Design de Interiores, Ambientação e Produção do Espaço.