Rock in Rio é Woodstock capitalista

Em julho de 1984, faltando apenas seis meses para a primeira edição do Rock in Rio, o publicitário carioca Roberto Medina estava prestes a desistir do evento. Tinha ouvido “nãos” de todas as 70 bandas que havia procurado para tocar no festival. Até então, para muita gente, eventos musicais no Brasil eram sinônimo de calotes, sumiço de equipamentos e caos.

Sem a confirmação de um único artista, Medina deu sua última cartada: apelou a Frank Sinatra. Os dois se conheceram em 1980, quando Medina produziu o show do cantor no Maracanã, o maior de sua carreira, com público de 180 000 pessoas. O apelo funcionou. Sinatra convocou uma coletiva de imprensa em Los Angeles, na qual apoiava a realização do festival no Rio de Janeiro.

No dia seguinte à coletiva, vários jornais noticiaram mundo afora que a cidade sediaria o maior festival de música do mundo. Em sua primeira versão, o Rock in Rio recebeu mais de 1,3 milhão de pessoas em dez dias de shows e eternizou imagens que correram o mundo, como a de Fred Mercury, então vocalista do Queen, regendo um público que cantava “Love of my life” quase em êxtase.

Vinte e seis anos depois, o Rio de Janeiro se prepara para abrigar a décima edição do festival, que ocorrerá em setembro — nos últimos seis anos, o evento só aconteceu em Lisboa (quatro vezes) e em Madri (duas).

Há anos o Rock in Rio deixou de ser apenas um festival de música para se tornar uma empresa com aproximadamente 100 funcionários, que se dividem entre Portugal, Espanha e Brasil, e uma marca poderosa, que movimenta centenas de milhões de reais. É como se o mítico festival de Woodstock, ocorrido em 1969, nos Estados Unidos, reunindo 500 000 pessoas durante três dias para assistir a artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Joe Cocker, tivesse tomado um banho de capitalismo.

Só o custo do Rock in Rio deste ano será de 95 milhões de reais. O valor sustenta uma operação que inclui a administração de centenas de contratos com artistas como Elton John, Metallica e Rihanna, serviços de transporte de equipamentos e publicidade do evento. O festival deve gerar mais de 30 milhões de reais em vendas de produtos com a marca Rock in Rio, que vão de óculos a barracas de praia.

A bilheteria prevê arrecadar 68 milhões de reais com a venda de ingressos — em dezembro do ano passado, 100 000 ingressos foram vendidos com a divulgação de apenas dez das mais de 100 atrações que vão se apresentar em setembro, e outros 500 000 ingressos ainda serão colocados no mercado.

A prefeitura do Rio estima que, em 2001, o evento tenha movimentado cerca de 300 milhões de dólares na economia do município, particularmente em serviços de hotelaria e alimentação. Neste ano, a cifra deve ser ainda maior. Dos ingressos já vendidos, 60 000 foram comprados por pessoas de fora do Rio.

Patrocínios milionários

Para associar seu nome ao evento, um total de 14 empresas, como Itaú, Heineken, Coca-Cola, Volkswagen e Claro, já investiram 50 milhões de reais para patrocinar o festival. (Cada cota de patrocínio custa entre 5 milhões e 10 milhões de reais.) Esse grupo de companhias tem interesse não apenas nos cinco dias de shows mas também na possibilidade de expor suas marcas ao lado do Rock in Rio durante quase um ano.

“As empresas topam pagar patrocínios maiores porque têm a oportunidade de associar suas marcas à juventude e à música por muito mais tempo do que aconteceria num evento convencional”, afirma Rodolfo Medina, primogênito de Roberto e vice-presidente comercial do Rock in Rio. A Coca-Cola, por exemplo, destacou uma equipe de 15 pessoas de seu setor de eventos para trabalhar exclusivamente em ações ligadas ao festival até setembro — por enquanto, as ações programadas são mantidas em segredo.

A Claro começou a realizar gincanas esportivas nas praias de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, onde expõe o slogan “Rock in Rio. É Claro que eu vou”. Há poucas semanas, a Kraft colocou nas ruas uma goma de mascar lançada especialmente para o evento: o Trident Global Connection Rio. A Volkswagen anunciou que lançará uma edição especial dos modelos Fox ou Gol, no segundo semestre deste ano, inspirada no festival. “O Rock in Rio é ‘o’ evento de música do país e justifica um investimento maior que o de costume”, afirma Herlander Zola, executivo de marketing da montadora.

Os diferentes tipos de negócio ligados ao Rock in Rio nasceram das dificuldades de Medina em colocar seu primeiro evento em pé. A ideia do festival surgiu de um pedido da antiga Brahma, então cliente de Medina, que queria rejuvenescer sua marca. Para o publicitário, o Rock in Rio serviria perfeitamente ao propósito da cervejaria e, de quebra, o ajudaria a realizar um antigo sonho: fazer um grande festival de música no Brasil.

O problema é que a Brahma não estava nem um pouco inclinada a bancar um show gigantesco sozinha. Foi então que Medina decidiu esticar o calendário de marketing e criar várias categorias de patrocinadores — um modelo que vigora até hoje. Neste ano, o Itaú, patrocinador máster do festival, tem direito a fazer pré-venda de ingressos a seus clientes, anunciar em grandes veículos de mídia associando seu nome ao do festival e expor sua marca numa área privilegiada na Cidade do Rock, palco do evento.

Na outra ponta, os chamados patrocinadores de apoio — a varejista Leader, a rede de lanchonetes Bob’s, a cadeia de roupas Taco, o site de comércio eletrônico Submarino, a TAM Viagens, a rede de escolas de inglês Wizard, a marca de produtos de beleza Niely e a universidade Estácio de Sá — só podem anunciar em seus pontos de venda e nos próprios produtos.

O Bob’s, por exemplo, terá cinco pontos de venda dentro da Cidade do Rock durante os dias de shows. “Desde 1993 estamos no Sambódromo carioca no Carnaval. Agora, vamos levar essa experiência para o Rock in Rio”, diz Marcello Farrel, diretor-geral do Bob’s. A rede também vai criar um sanduíche especial com o nome Rock in Rio que será vendido em suas quase 800 lojas.

Embora carregue o nome de sua cidade de origem, o Rock in Rio tornou-se uma marca internacional. Em Portugal, país que sedia o festival a cada dois anos desde 2004, uma pesquisa do instituto alemão GFK Metris revelou que, no ano passado, para os portugueses o Rock in Rio foi mais importante do que a Copa do Mundo da África do Sul.

Na Espanha a situação é parecida. Segundo o instituto de pesquisas Acziona, em 2008 o Rock in Rio foi considerado por 22% dos entrevistados o evento musical mais importante do ano. Os resultados animaram a família Medina a acelerar a internacionalização do negócio.

“Estamos com estudos adiantados para levar o Rock in Rio para a Colômbia”, diz Rodolfo Medina. “Além disso, México, Argentina e Polônia estão no nosso radar.” Agora só falta acabar com a única semelhança que ainda resta entre o Rock in Rio e Woodstock: a lama provocada pelas chuvas que caíram nas últimas edições cariocas.

Fonte: Anna Carolina Rodrigues, da EXAME.com

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