Apenas uma noite

Por Osmar Regis, Rio de Janeiro

“João é o louco mais equilibrado que conheço”, essa frase foi dita por Marieta Severo na época em que encenava com João Falcão o espetáculo a ‘A Dona da História’ que tempos depois viria a ser um grande sucesso do cinema nacional dirigido por Daniel Filho. De fato, quem se depara com alguma obra de Falcão fica imaginando que universo louco é esse que se desenha na sua mente e que se estende para os seus textos.

Autor de TV, cinema e teatro, João Falcão começou sua carreira há 35 anos em Recife (PE). Na sua trajetória Falcão, escreveu episódios de “Comédia da Vida Privada”, “Clandestinos” e “Loucos Por Elas para TV. No cinema dirigiu as comédias ‘A Máquina’ e ‘Fica comigo essa noite’.

Como autor, a marca registrada de Falcão são os diálogos vivos, que são base para um jogo lúdico de palavras e idéias a partir de situações simples. Como diretor, valoriza a expressão teatral do ator em marcações ágeis, sem assumir um ponto de vista sobre a história.

Mas uma boa peça de teatro se faz, principalmente, com bons atores. É por isso que João entrou em uma parceria que tem arrancado elogios da crítica teatral brasileira. Gregório Duvivier tem a responsabilidade de carregar sozinho, no palco, a 34 páginas do texto escrito por João Falcão. O resultado não poderia ser outro: um espetáculo para se aplaudir de pé.

O ator e humorista Gregório Duvivier. (Foto: divulgação)

Gregório Duvivier, aos 27 anos, já figura conhecida das redes sociais. Mas sua carreira vai muito além da internet. Ele escreveu textos para o teatro e para TV, é um dos sócios do canal “Porta dos Fundos”, atuou em mais de dez filmes, protagonizou no Rio de Janeiro seu primeiro musical “Como vencer na vida sem fazer força”, ao lado de um dos mais talentosos atores de comédia do País, Luiz Fernando Guimarães. E agora está viajando pelo Brasil com o espetáculo “Uma noite na lua”, dirigido por João Falcão, pai de sua namorada, a cantora e atriz Clarice Falcão.

“Uma noite na lua” foi encenado pela primeira vez em 1998, com Marco Nanini no papel do protagonista. A peça ficou em cartaz por três anos e ganhou um prêmio Sharp, disputadíssimo entre aqueles que fazem teatro, e um APCA de melhor ator para Nanini. O texto pode ser considerado uma comédia com momentos tristes, ou um drama cheio de humor. Tudo depende do olhar da plateia. Gregório prefere o termo “epopeia lírica-sentimental”, mas, segundo ele, esse é um título pomposo demais.

A peça fala sobre um autor, sobre criatividade, mas também sobre amor, e sobre solidão. Fala de um homem, em cima de um palco, pensando. Tudo o que ele pensa, ele fala. E a peça é o pensamento dele. Isso tudo parece meio louco não é? Você ainda não viu nada! Abaixo você confere entrevista exclusiva de João Falcão e Gregório Duvivier sobre o espetáculo, que será encenado em Goiânia no sábado, dia 17, às 20hs, no Teatro Sesi.

JOÃO FALCÃO

Zelo – Porque você decidiu levar Uma noite na lua novamente para os palcos?

João Falcão – Quando montamos pela primeira vez optamos por um espetáculo com muitos recursos cenográficos. Desde então fiquei curioso para saber como seria esse mesmo texto concentrado apenas no trabalho do ator. Só resolvi levar essa experiência para o palco quinze anos depois, quando vi no Gregório o ator perfeito para essa empreitada.

Zelo – Qual a diferença desta ‘nova versão’?

João Falcão – A primeira versão era repleta de experimentações visuais que ilustravam ou provocava os pensamentos que se passavam pela cabeça do ator. Essa nova versão se vale apenas do trabalho do ator e de um preciso jogo de iluminação.

Zelo – Uma noite na lua chegou aos palcos em 1998 com o protagonista na pele de Marco Nanini. Como diretor, qual a diferença mais que você mais nota entre a interpretação de Nanini e o Gregório Duvivier?

João Falcão– O Gregório e o Nanini são de gerações diferentes, mas os dois possuem, igualmente, a capacidade de transitar entre o drama e a comédia de maneira muito natural. São dois dos melhores atores com quem já trabalhei.

Zelo – O monólogo fala de um homem que passa por uma crise criativa. Você vivenciou por situação semelhante durante sua carreira?

João Falcão – Passo muito por essa situação. Principalmente no início da criação, quando todas as possibilidades estão ali, e tenho que escolher um caminho e “desescolher” tantos outros.

Zelo – Uma noite na lua também fala sobre amor e solidão, de que maneira esses sentimentos aparecem no texto?

João Falcão – O personagem tem dificuldades em desenvolver suas idéias justamente porque sua cabeça está completamente tomada pelo sentimento de um amor perdido.

Zelo – É possível perceber em seus trabalhos que você as vezes faz referências à outras obras também de sua autoria. Um exemplo, foi o episódio de ‘Louco por elas’ em que foram incorporados diálogos de ‘A dona da história’. Você considera a metalinguagem uma característica particular dos seus trabalhos?

João Falcão – Não tenho uma visão distanciada do meu trabalho, mas sei que gosto de revisitar coisas que fiz e recontextualizar.

Zelo – Você já disse em uma entrevista que este é o texto mais auto biográfico que já escreveu. O que exatamente de pessoal tem neste texto?

João Falcão – Todos os sentimentos que estão ali, eu já vivi. Enquanto escrevia o texto, sentia na pele a agonia daquele personagem que perseguia idéias que teimavam em se esconder de mim.

GREGÓRIO DUVIVIER

  • Gregório Duvivier apresenta a peça “Uma Noite na Lua” (Foto: divulgação )

Zelo “Uma noite na lua” já havia ganhado os palcos em 1998 com Marco Nanini como protagonista. Qual a grande diferença na sua versão deste personagem em relação à ele?

Gregório Duvivier – A diferença maior está na montagem. Enquanto a montagem anterior era cheia de artifícios (um cenário enorme, muitas projeções de vídeo), a nova montagem conta a apenas com o palco nu (e o ator, claro).

Zelo Como foi o processo de construção do personagem?

Gregório Duvivier – A parte mais difícil do processo não foi a construção do personagem mas o estudo do texto. São 34 páginas de texto ininterrupto. Foi muito difícil decorar. Quem me ajudou foi a Clarice, que sabe o texto melhor que eu.

Zelo – A peça fala sobre crise criativa, você atravessou esses momentos de bloqueio?

Gregório Duvivier – Muitas vezes. Todo o mundo que escreve tem que lidar, o tempo todo, com os bloqueios criativos. Me identifiquei muito com o personagem.

Zelo – A peça é um hibrido de comédia e drama. Onde você se sente mais à vontade, Provocando o riso ou procurando aquele ‘nó na garganta’ de uma plateia?

Gregório Duvivier – Provocar riso é muito bom. Mas poucas coisas são tão gratificantes de se ouvir quanto aquela fungada de choro vindo da platéia. Nunca tinha ouvido tantas. Nessa peça, a emoção surpreende o espectador, que esperava apenas rir.

Zelo – Você trabalhou durante muito tempo com o teatro de improviso. É possível improvisar em um monólogo como ‘Uma noite na lua’?

Gregório Duvivier – Uma Noite na Lua é a primeira vez em que eu, como ator, tenho que me segurar pra não improvisar. A peça tem um texto fixo e eu tenho que seguir à risca. E o texto é tão bonito que eu nunca conseguiria improvisar algo à altura.

Zelo – Quais são as reflexões que você tira deste texto?

Gregório Duvivier – O texto fala de amor, e de como nenhum ser humano é uma ilha. Tudo o que fazemos, na vida, é por amor. E é graças ao amor que as pessoas se transformam, e viram pessoas melhores, e criam obras de arte. É uma peça sobre amor.

Deixe um comentário