Uma das bebidas mais ingeridas no mundo, o café traz mais de 1.000 ingredientes ativos, como cafeína, minerais, vitaminas, compostos fenólicos, polissacarídeos, lipídeos e aminoácidos. No entanto, não é difícil perceber que existe uma resposta heterogênea com relação à cafeína: enquanto algumas pessoas simplesmente não conseguem viver sem, outras não podem nem sonhar em ingerir. “Algumas pessoas são sensíveis à cafeína, apresentando problemas de digestão e gástricos, alterações de ritmo cardíaco e pressão arterial, agitação emocional e distúrbios do sono, situações em que o café deve ser deixado de lado”, afirma a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). Mas por que essa resposta é tão diferente? “Antes de 2006, os artigos eram bem controversos, metade falava que o café fazia bem e a outra que fazia mal. Isso acontece porque existem influências genéticas”, afirma o geneticista Dr. Marcelo Sady, Pós-Doutor em Genética e diretor geral Multigene.
De acordo com o geneticista, os estudos mostram que é necessário levar em consideração o genótipo de no mínimo 3 genes: CYP1A2, ADORA2A e AHR. São eles que serão considerados para definir a melhora da performance esportiva com uso da cafeína e a sensibilidade ao seu consumo. “Um gene que metaboliza a cafeína é o CYP1A2. Dependendo do genótipo, nós podemos classificar os indivíduos como metabolizadores rápidos ou lentos de cafeína. O indivíduo que metaboliza rápido vai eliminar a cafeína e conseguir obter os benefícios dos outros componentes do café, que podem atuar como protetores e antioxidantes. Se o indivíduo é um metabolizador lento, a cafeína permanece mais tempo no organismo e pode levar a um efeito vasoconstritor, que tem sido associado a um maior risco de hipertensão e doenças cardiovasculares”, afirma o geneticista.
Essa resposta diferente está associada a fatores genéticos, idade, sexo, treinamento e dieta, principalmente se pensamos na cafeína com base na performance atlética, segundo o geneticista. “Dependendo da dose, das xícaras de café tomadas por dia, o indivíduo pode apresentar um risco maior de doenças cardiovasculares se ele for um metabolizador lento. Se ele for um metabolizador rápido, o café acaba diminuindo o risco de doenças cardiovasculares. O genótipo que leva a um metabolismo mais lento da cafeína é tão comum que em algumas populações o índice é de 50%, o que quer dizer que de cada 2 indivíduos, um apresenta uma sensibilidade maior para a cafeína. Essas diferenças individuais no consumo da cafeína também estão associadas ao seu metabolismo, onde atuam proteínas e enzimas que são muito importantes”, diz o especialista.
No caso do receptor ADORA2A, é justamente por conta desse gene que a cafeína pode ter efeito estimulante. “Esse é um receptor de Adenosina, uma enzima que pode dar essa sensação de fadiga mental. Como a cafeína compete com a adenosina, ela impede a ligação a esse receptor e por um tempo, pelo menos, confere sensação de bem-estar, de hiperatividade e melhora da cognição. Alguns estudos mostram que a cafeína pode influenciar níveis de neurotransmissores, serotonina, dopamina, então pode ter uma leve ação antidepressiva”, explica o geneticista.
Um dos estudos que relacionam o metabolismo da cafeína à influência genética já mostrou que, em corredores, os metabolizadores lentos de cafeína melhoraram o tempo em 1,3 minutos com o consumo de cafeína, enquanto os metabolizadores rápidos melhoraram em 3,8 minutos. “Mas a cafeína, em quem tem metabolismo mais lento, está associado a um maior risco de hipertensão e infarto do miocárdio. Então, pessoas que querem utilizar a cafeína como um suplemento para melhorar esse efeito ergogênico (de melhora da performance) precisam tomar muito cuidado”, diz o geneticista.
O que acontece (geneticamente falando) – Segundo o especialista, surgiram algumas diretrizes da cafeína levando em consideração o genótipo desses três genes. “Com relação ao gene CYP1A2, quando o indivíduo é portador do alelo AA, que leva a um rápido metabolismo de cafeína, ele vai apresentar um melhor efeito ergogênico, utilizando de 3 a 6mg/kg. Não é porque o indivíduo é metabolizador rápido que ele pode utilizar cafeína sem limitações. Quando ele é portador do alelo C, que leva a um metabolismo lento de cafeína e a um menor efeito ergogênico, é interessante que essa utilização de cafeína para melhorar os resultados da atividade física seja feita 60 minutos antes da atividade, pois isso vai melhorar os resultados”, afirma o geneticista.
Já com relação ao gene ADORA2A, quando o indivíduo é portador do alelo TT, ele tem melhor efeito ergogênico, mas também apresenta aumento da ansiedade. “Então para atletas é interessante que se use cafeína em menores doses antes das competições (quando a ansiedade já é maior), para não prejudicar o seu rendimento. Quando ele é portador do alelo C, com menor efeito ergogênico, ele vai apresentar, também, sinais de comprometimento do tempo de sono. Para essas pessoas, é interessante menores doses após os exercícios para não comprometer a qualidade do sono”, diz o geneticista.
Por fim, o especialista ressalta que o exame genético é extremamente importante para poder predizer essas respostas e utilizar a cafeína e os suplementos de uma maneira adequada. “Lembrando que para alguns indivíduos pode aumentar demais o risco de infarto do miocárdio. Esse risco pode ser 3,8 vezes maior se o indivíduo for metabolizador lento, por exemplo, e consumir mais que 200mg por dia de cafeína”, finaliza o geneticista.