Sexta-feira, estreia em pelo menos 120 salas de cinema do país a primeira adaptação nacional de Capitães da areia. A trama sobre Pedro Bala e a turma de meninos abandonados nas ruas de Salvador já foi contada na telona em 1971 pelo cineasta americano Hall Bartlett. Agora, em parceria com Hilton Lacerda (Baixio das bestas e Amarelo manga), Cecília assina não só o roteiro do longa, mas assume também a direção. “Fui fazer Capitães porque li o livro aos 14 anos e foi muito marcante para mim. Fui fiel ao meu avô. Mas ao Jorge que conheci. Ele já tinha um olhar muito mais amadurecido que quando escreveu o livro”, avisa.
Capitães da areia faz parte da fase comunista de Jorge Amado. Considerado subversivo, foi lançado em 1937, poucos meses antes do golpe para instauração do Estado Novo de Getúlio Vargas. “Os livros foram recolhidos de livrarias e bibliotecas. Foi feita uma grande fogueira em praça pública, em Salvador, com mais de mil exemplares de Jorge Amado. Capitães era o que tinha o maior número de cópias”, conta o professor da UFMG Eduardo de Assis Duarte, autor de Jorge Amado: romance em tempo de utopia.
Mesmo 74 anos depois de seu lançamento, Capitães da areia ainda é o livro mais vendido do escritor, tanto a edição padrão quanto a de bolso. Para Eduardo de Assis Duarte, as primeiras obras escritas por Jorge Amado, de tom mais militante, são as mais interessantes. “Depois ele cai numa espécie de crônica de costumes baianos, que fica meio repetitivo”, avalia.
No caso de Capitães da areia, o especialista acredita que parte do êxito se deve à identificação do público com a trama. “Ele toca fundo em um problema seríssimo da realidade brasileira: a crueldade com que o país trata suas crianças. Há uma empatia muito grande, porque essas crianças não são colocadas como vilãs. São vítimas de um sistema injusto”, completa.
Jorge Amado foi adaptado para o cinema 16 vezes, incluindo sucessos como Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto – até o ano passado a produção nacional mais vista do país. Na televisão, as histórias dele foram contadas 14 vezes, com destaque a novelas como Tieta e Gabriela. Como lembra Eduardo, quando Jorge Amado coçava a cabeça, era o sinal de que alguma coisa não estava do jeito dele. Essa era a reação frequente quando o autor via seus personagens apropriados por outros criadores. Jorge nunca ficou muito contente com as adaptações que fizeram de suas obras.
Para Cecília, Capitães da areia se comunica especialmente com os jovens, ao abordar a ânsia pela liberdade, que, no caso dos personagens, tem o abandono como contraponto. Diante de temas assim, é inevitável identificar forte dose de ideologia. Quando ela para e pensa nas próprias expectativas com a adaptação, não nega a herança: “É quase uma missão, como cineasta, trazer para as novas gerações o olhar generoso de Jorge Amado sobre seu povo”.