Sino Vox Patris inspira série documental sobre fé, cultura e controvérsias

Produção aborda a história do sino da Basílica de Trindade, suas raízes culturais, a devoção popular e os desdobramentos da Operação Vendilhões
Sino Vox Patris
(Foto: Divulgação)

A história do sino Vox Patris, considerado o maior do mundo, é tema da série documental “Sino Peregrino – O Som da Esperança”, que será lançada nesta terça-feira (24) durante a Romaria do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO). Com roteiro assinado pelo jornalista Marcelo Canellas e direção de Teo Taveira, a produção mergulha na origem do sino, na força da devoção popular e nas controvérsias que envolvem a Basílica de Trindade. “Vejo a religiosidade como um traço da cultura dos povos. No caso brasileiro, o catolicismo foi, inclusive, a doutrina fundante do Estado, com tudo o que isso trouxe de bom e de ruim”, afirma Canellas, jornalista com mais de 30 anos de carreira e autor do documentário “Boate Kiss – A Tragédia de Santa Maria”, na Globoplay.

Segundo Teo, a ideia inicial surgiu pela curiosidade em torno das dimensões do sino e da complexa operação logística para trazê-lo da Polônia para o Brasil. No entanto, o projeto ganhou outra dimensão ao perceberem a força simbólica que o sino carrega, representando não apenas um objeto de fé, mas também uma mensagem de transformação, conexão e reflexão sobre o mundo atual. “O Vox Patris não é só um sino. É uma voz que atravessa oceanos e culturas, um convite ao olhar comunitário e à solidariedade”, explica o diretor.

Canellas acredita que, mesmo com a laicização da administração pública, a fé católica permaneceu fortemente presente na sociedade brasileira, gerando manifestações populares como as devoções aos santos e as grandes romarias. “Nem mesmo o crescimento das igrejas evangélicas neopentecostais nas últimas décadas interferiu nesse aspecto da nossa cultura: a devoção aos santos de preferência”, explica.  O jornalista conheceu a Festa de Trindade no início dos anos 2000, quando produziu uma série de reportagens para TV. “É uma dessas expressões potentes da cultura brasileira, com a particularidade de ser uma devoção não a um santo, mas à figura de Deus. Fenômenos como esse me interessam como contador de histórias”, relata.

Ao falar sobre “Sino Peregrino – O Som da Esperança”, ele lembra que um roteiro de gravação não é o roteiro definitivo. “Trata-se de um ponto de partida, um planejamento de como queremos contar a história”, explica. O jornalista estruturou a série em cinco episódios, distribuindo os temas que considera fundamentais para contar a trajetória do sino e explicar como um grupo de devotos reunidos na casa de um fazendeiro no século XIX se transformou na Festa de Trindade, que hoje atrai milhares de pessoas. “Naturalmente, ouvi muita gente. Desde os padres redentoristas, a equipe liderada pelo Teo, até antropólogos e pesquisadores ligados à religiosidade e ao patrimônio cultural”, detalha. Canellas também contou com o trabalho da jornalista e produtora Elaine Camilo, responsável por um extenso levantamento de temas e personagens.

Um sino é símbolo de expressão da fé. No Brasil, é também uma manifestação da cultura popular, com forte influência africana. “Uma crônica de Machado de Assis, O sineiro da Glória, conta a história de um negro escravizado que foi sineiro por mais de 40 anos no Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro”, comenta Canellas. Segundo ele, há influência dos ritmos africanos na composição dos toques dos sinos no país. “Tanto que o IPHAN tombou os toques dos sinos de Minas Gerais como patrimônio imaterial. Portanto, a história do sino de Trindade precisa trazer essa herança cultural, que também faz parte do documentário”, reforça.

Controvérsia

A grandiosidade do Vox Patris também gera questionamentos. “Por que a Igreja precisa ter um sino tão caro?”, indaga o roteirista. A proposta da série é abordar as controvérsias envolvendo o sino e os impactos da atuação do padre Robson de Oliveira Pereira, incluindo a Operação Vendilhões, conduzida pelo Ministério Público de Goiás, e seus desdobramentos. “Defendi, no roteiro, um tratamento jornalístico, com relato objetivo sobre o afastamento do padre Robson e as medidas de compliance adotadas pela nova administração da Basílica para revisar e aprimorar seus processos internos”, afirma Canellas. Ele acredita que a fé devocional, por si só, é uma fonte inesgotável de emoções. “Tenho certeza de que a equipe conseguiu captá-las durante as gravações da Festa de Trindade. Isso estará no coração do documentário”, afirma.

Além disso, destaca a logística desafiadora de transportar um sino de grandes proporções de um continente a outro. “Imagino esse percurso como um verdadeiro thriller de ação”, compara. Para além da epopeia do transporte, o documentário propõe uma reflexão sobre o sino como elemento simbólico da expressão da fé e da religiosidade, e sua assimilação no Brasil, a ponto de se consolidar como traço da identidade cultural nacional, conclui.

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