Segundo o site oficial da campanha Setembro Amarelo, cerca de 12 mil suicídios são registrados todos os anos no Brasil e o número chega a um milhão em todo o mundo. Falar sobre os cuidados com a saúde emocional nunca foram tão urgentes e emergenciais. Com o cenário de pandemia da Covid-19 e o medo proveniente dessa nova realidade, as aflições diárias e a incerteza. O isolamento social como medida mais eficaz de segurança delimitou muitas pessoas a conviver apenas com suas dúvidas. Com esse quadro, que ainda não foi terminado, o Setembro Amarelo, que alerta para a prevenção ao suicídio, adquiriu contornos ainda mais fortes.
Um levantamento realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com cerca de 1.460 pessoas de 23 estados do país, apurou um crescimento de 90,5% nos casos de depressão entre os brasileiros desde o início do isolamento social. O mesmo estudo também identificou o aumento de casos de ansiedade e estresse agudos. No caso da ansiedade aguda, a proporção foi de 8,7% para 14,9%, e no caso do estresse, foi de 6,9% para 9,7%.
“O atual momento de crise contribui de várias formas para o problema. Os níveis de estresse são muito grandes. As mudanças impostas no estilo de vida, o medo, a insegurança em relação ao futuro, as questões sobre empregabilidade, os conflitos familiares provenientes da sobrecarga no lar, tudo isso somado às restrições sociais intensificaram os níveis de sofrimento emocional principalmente daqueles com histórico de transtornos psiquiátricos pré-existentes. Consequentemente esses fatores ampliaram os casos de autoextermínio”, analisa a psicóloga Marilene Martins.
De acordo com a profissional, a literatura científica aponta vários fatores de risco que juntos ou isolados podem levar ao suicídio, tais como, transtorno bipolar, esquizofrenia, depressão maior. “Além disso um histórico familiar de suicídio deve ser levado em conta na avaliação clínica, bem como outras condições, tais como o comportamento suicida, que é a repetição de tentativas de suicídio independente da categoria diagnóstica da doença mental, e a autolesão não suicida, que consiste na atitude de cortar a própria pele e provocar autolesão sem a intenção suicida”.
Empatia e as redes sociais
A pandemia voltou ainda mais as atenções para o virtual, para as telas de computadores e smartphones, que se mostraram ferramentas úteis, respaldando diversas adaptações importantes para o novo cotidiano de trabalho e até de interações interpessoais. Entretanto, fenômeno crescente há anos, as redes sociais veem perpetuando, com agilidade inegável, a chamada ‘cultura do cancelamento’, que compromete não somente as noções de empatia, quanto pode contribuir com efeitos emocionais graves.
“Criou-se a falsa impressão de que as pessoas não precisam se esforçar muito para serem amadas (ou odiadas). Um clique na tela significa muito. Neste ambiente de tela, a pessoa pode sair do anonimato e virar uma celebridade, ou o inverso disso, provocando nas pessoas a fantasia em torno do prestígio e do cancelamento simultaneamente. O espectador que promove, o faz a partir de sua perspectiva e acredita que tem o “poder” de cancelar quando a pessoa exposta contraria a sua expectativa. Falta compaixão e respeito à diversidade. O diferente, ou ser diferente, faz parte da condição humana. Por outro lado, essa fantasia de mundo perfeito é uma desconstrução do humano. Isso dificulta o exercício da empatia, que amplia o sofrimento das pessoas abrindo caminhos para o adoecimento mental em grande escala”, analisa a psicóloga.
Marilene chama a atenção para os indícios que podem representar a luz de alerta para o adoecimento emocional. “A mudança ocorre de dentro para fora, principalmente na relação consigo mesmo e com tudo a sua volta. Os sinais mais importantes vêm acompanhados de tristeza profunda, apatia, desesperança, ausência de motivação nas atividades que antes davam prazer, irritabilidade excessiva, impaciência, insegurança e medos não identificados, angústia, dificuldades para dormir. Esses sinais podem acontecer juntos ou isolados”. A psicóloga enfatiza que não existe uma regra pré-definida sobre o momento certo para buscar ajuda profissional. “Todo desconforto emocional recorrente e persistente merece atenção de especialistas. Em se tratando de saúde mental a prevenção é o melhor caminho visto que dói menos”, conclui Marilene.
Psicóloga Marilene Martins. Foto: Divulgação