Colecionista Sebastião Aires recebe a Zelo em sua casa e compartilha sua paixão pela arte

Colecionador há mais de 40 anos, Tião possui um acervo especial com obras de Pitágoras, Marcelo Solá e Siron Franco
Sebastião Aires
(Foto: João Carlos)

Por: Lucas Pereira

O colecionismo parte de um olhar que vê além, que subverte os itens, cores e elementos, que enxerga a beleza, o mistério, a tristeza e a dor, que instiga a mente, suscita reflexões e questionamentos, causa admiração no mesmo passo em que perturba ou aquieta. É a arte enquanto efeito, sem necessariamente uma causa, é a tradução sinestésica do que se sente sem a necessidade de se explicar. Colecionador há mais de 40 anos, Sebastião Aires de Abreu recebeu a Zelo em sua casa – onde Pitágoras, Jardim, Solá, Climachauska, Jacarandá, Andrade, Franco e tantos outros vivem e convivem com a natureza exuberante ao redor – para falar sobre como a arte de colecionar é um exercício simbólico de amor dedicado às artes, todas elas. “Eu sou um inquilino da casa, os donos são os artistas, são as obras”, brinca.

Nascido no Rio de Janeiro, mas criado em Goiânia, Sebastião ou Tião, como é chamado pelos amigos, foi piloto de avião por muitos anos. Sua coleção teve início em 1982, quando, a convite da galerista goiana Célia Câmara – que à época comandava a Casa Grande Galeria de Arte e a quem ele chegou a transportar –, Sebastião foi a um vernissage do artista gaúcho Glauco Pinto de Moraes e lá teve o seu primeiro encontro com aquela que seria a primeira obra da sua coletânea. “Eu estava no meu primeiro emprego, e ali foi 80% do meu salário por um ano. Mas eu falo que, a partir disso, troquei dinheiro por obras de arte, o que é muito melhor”, brinca.

Sebastião comenta que é um homem da quietude, gosta do silêncio, da calmaria, é um contemplador por natureza. “Eu gosto de obras que não são muito alegres, aquelas que trazem um certo peso. A obra de arte nada mais é do que uma crônica que o artista escreve sobre o seu tempo. Eu gosto das mais fortes, das mais, talvez, trágicas. Mas o mais importante nas artes, para mim, é que elas me deixam calmo”, revela. Ele conta que não tem uma preferida ou alguma que considere mais bonita, cada uma é única. “Eu fico lisonjeado quando as pessoas se interessam pela minha coleção, acham algo bonito”, se diverte.

Na sua coletânea está presente o diálogo sutil, porém potente, entre as obras do mineiro Farnese de Andrade e do goiano Siron Franco. Em suas distinções, as criações dos dois artistas se assemelham pelo tom abstrato e são parte fundamental do que torna o acervo de Abreu tão único. Ele é o maior colecionador de Farnese e Siron no País, fato que o leva a ser requisitado para exposições por toda parte. E a sua coleção não somente demonstra o histórico dos criadores ao longo do tempo, mas se mistura à história pessoal do colecionador, que se tornou amigo de ambos. “Eu conheci o Siron e ficamos amigos, foi algo automático. Depois, ele me apresentou ao Farnese”, conta. Uma curiosidade, inclusive, é que Sebastião foi pioneiro na documentação videográfica de artes visuais em Goiás ao registrar o processo criativo de Siron Franco por meio de uma série de vídeos em seu ateliê, na década de 1980.

E Abreu cultiva até hoje o hábito de se aproximar dos artistas que admira, tornando-se amigo e apoiador. “Eu vou atrás, ajudo no que posso. É uma profissão muito difícil. Muitas vezes é um cara genial e não tem visibilidade”, comenta. Ele enfatiza que Goiânia tinha décadas atrás um circuito de arte pujante, com diversas galerias pela Capital. “Nos últimos anos, isso diminuiu muito. Mas eu sinto que é um movimento que está sendo retomado, as galerias estão voltando e com trabalhos de alta qualidade. Além disso, são muitos os novos artistas surgindo. É um ciclo importante para o estímulo à arte”, garante.

Sebastião Aires
Na casa em que Sebastião reside, as obras, cuidadas com atenção, vivem harmoniosamente como donas do espaço (Foto: João Carlos)

Arte em movimento 

É com o seu olhar sensível e sempre atento que ele viaja o mundo visitando ateliês de artistas, exposições, feiras, museus. A arte é seu guia. “Os críticos especializados falam que eu tenho um olhar que me leva a adquirir peças de jovens artistas que logo serão importantes. Eu acho que apurei o olhar com o tempo e é uma das coisas que eu mais gosto. Eu não vou a nenhum lugar sem olhar muito para tudo”, afirma.

Sebastião Aires
Sebastião Abreu, colecionador há mais de 40 anos, transformou o seu lar em um santuário de arte (Foto: João Carlos)

Abreu chama a atenção para a importância do espaço. Na casa onde vive, com ares de santuário suspenso no tempo, as obras que ele chama de donas da casa estão dispostas com o máximo de cuidado, morando umas ao lado das outras, com respeito e atenção. “Eu até brinquei com um amigo colecionador que já não tem mais espaço, que ele está virando acumulador. É importante ter onde não só guardar, mas deixá-las viver. Aqui, a natureza abraça a casa. Do mesmo modo que eu amo plantas, amo mobiliário, eu procuro ter um cuidado natural com tudo o que está aqui, para que exista harmonia. Harmonia é a palavra, porque a arte é uma fonte de prazer calmo”, conjectura.

Para ele, existem dois tipos de pessoas que colecionam arte. “Aquele que tem obras maravilhosas que só ficam em casa, e o outro tipo, o que empresta. As minhas obras estão sempre andando por aí. Claro que eu exijo o seguro, que tomem cuidado, procuro acompanhar as montagens das exposições, mas é um grande prazer emprestar minhas obras”, conta ele, que costuma ser requisitado até mesmo por outros países. Peças da sua coleção já estiveram em diversas mostras, em cidades como Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, entre muitas outras.

Sebastião Aires
Farnese utiliza objetos inusitados e antigos, bonecas e imagens sacras, sobrepondo-os em mobiliário colonial (Foto: João Carlos)

Mundo próprio 

Neste ano, em comemoração aos seus 70 anos, Sebastião teve parte de sua coleção apresentada na exposição “Mundo Próprio: Coleção Sebastião Aires de Abreu”, na Cerrado Galeria, em Goiânia, com mais de 70 obras de diferentes artistas e modalidades selecionadas pelo curador Divino Sobral. A mostra expôs ao público um recorte poético e revelador sobre a íntima ligação entre o colecionador e a sua coleção, a exemplo das peças com a imagem de São Sebastião, as obras de Farnese de Andrade e Siron Franco como núcleos centrais, e a construção delicada da narrativa que retratou a relação entre as obras, os artistas eleitos e a vida do colecionador. “Eu fiquei muito honrado”, comenta.

 

Sebastião Aires
Sebastião ao lado da escultura “Um Certo Político”, de Siron Franco (Foto: João Carlos)
Sebastião Aires
A coleção, marcada por uma seleção cuidadosa, reflete a íntima ligação entre o colecionador e suas obras (Foto: João Carlos)

O colecionismo pode ser inato, é uma arte intimista, extremamente pessoal, que pode partir de um olhar diferenciado para a arte, o que chamamos de dom, mas fundamenta-se principalmente nos estudos, na compreensão do tempo, do ontem e do agora, e quem sabe até com uma dose de intuição sobre o futuro. Conhecer os movimentos artísticos requer um processo de imersão não só na história da arte, mas no treinamento do olhar sobre como a arte existe no cotidiano, seja no ateliê de um artista ou no modo como as nuvens criam formas no céu e servem de inspiração. E, em contrapartida, são mantidas ricas fontes de pesquisa, responsáveis pela perpetuação e pelo incentivo à arte de geração a geração. “Colecionem, gente, qualquer coisa. Eu não conheço nada que dê tanto prazer só de olhar”, arremata Sebastião.

Sebastião Aires
Nas obras de Farnese, a madeira, especialmente a antiga, transforma-se em esculturas ricas em referências (Foto: João Carlos)
Sebastião Aires
Escultura de Farnese de Andrade (Foto: João Carlos)
Sebastião Aires
A amizade entre Sebastião Abreu com Siron Franco e Farnese de Andrade levou a conexões artísticas profundas, sendo que boa parte do seu acervo é composto por obras dos dois artistas (Foto: João Carlos)
Sebastião Aires
Intervenção de Evandro Soares (Foto: João Carlos)

Matéria publicada na edição de número 50 da revista Zelo, confira o número na íntegra aqui

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