Surgido em 1908 nos EUA, o movimento para evidenciar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na sociedade só teve uma data fixada mundialmente a partir de 1917, quando uma greve de trabalhadoras russas durante a I Guerra Mundial desembocou na queda do czar, na permissão de voto em eleições e contribuiu para acelerar a revolução comunista naquele país. Nesta terça-feira, com uma guerra que envolve a Rússia em andamento, o mundo volta a celebrar o Dia Internacional da Mulher e a lembrar os desafios e conquistas do movimento que no último século vem revolucionando a sociedade. No esporte, as mulheres têm comemorado muitas conquistas, mas cabe destaque ao esporte a motor, um ambiente predominantemente masculino no qual muitas brasileiras têm ocupado posições de comando.
No principal campeonato do país, a Stock Car Pro Series, há muitos exemplos. É o caso de Vanda Camacho, certamente um dos nomes mais respeitados do esporte a motor no país, que começou sua carreira na Stock coordenando uma equipe de TV nos anos 90. Diretora de operações da categoria, Vanda atualmente tem ingerência em todos os setores do evento, que é o maior do continente.
“Cresci e me desenvolvi profissionalmente com a categoria, passando por todas as áreas e funções. Ouvia da minha mãe e de amigas: ‘Cuidado, o automobilismo é um mundo masculino!’. Mas eu não via isso. Só enxergava profissionais fazendo aquilo que amavam”, conta ela. “Tivemos anos de muita luta na Stock e a união dos pilotos sempre foi uma força marcante na história da categoria. Lembro de uma passagem em especial, comigo e o Ingo Hoffmann sentados no chão, montando as credenciais que seriam usadas no dia seguinte, pois era muito trabalho para pouca gente. Imagina isso: um supercampeão como ele, arregaçando a manga pra ajudar no que a gente precisasse. Essa união continua sendo uma força da Stock Car e isso a transformou no que ela é hoje”, lembra Camacho.
Novas profissionais – Na fase mais recente, a Stock Car passou a incorporar várias profissionais. Uma delas é a carioca Rachel Loh. Primeira engenheira mulher da história da categoria, Loh é responsável pelos carros de Thiago Camilo e Cesar Ramos – dupla da equipe A.Mattheis Ipiranga Racing que acumula muitas vitórias.
“Tirei a sorte grande de encontrar uma equipe visionária que investiu em mim quando ainda era estudante de graduação sem experiência profissional”, lembra ela, que está na Stock há 15 anos. “Ainda hoje uma mulher engenheira causa certo espanto em algumas pessoas, pelo ambiente masculino do automobilismo. Mas sei que isso também inspira outras meninas a ir atrás de seus sonhos”, continua Rachel Loh.
Em 2020 a Stock se despediu de um de seus chefes de equipe mais carismáticos. Amadeu Rodrigues, da Hot Car, perdeu a vida em um acidente automobilístico em uma estrada de Uberlândia (MG). A continuidade da equipe estava em xeque. Criada no ambiente das corridas, a filha mais jovem de Rodrigues, Bárbara, decidiu assumir o comando da Hot Car. Era um desafio inédito, pois nunca um time da categoria havia sido chefiado por uma mulher.
“Desde pequena acompanho o automobilismo e estava sempre ao lado do meu pai. Tenho muito orgulho de falar que comando um time incrível, que é a minha família, e trabalho com o que mais amo, que é velocidade, adrenalina e motor roncando”, destaca ela. “Ser a primeira chefe de equipe em uma categoria tão importante é um marco e uma grande responsabilidade. Espero ser um exemplo para muitas mulheres. Num futuro breve, tenho certeza que seremos muitas a mais no grid”, crava Babi.
Viabilizando o evento – Algumas profissionais atuam fortemente nos bastidores em funções que viabilizam o evento. Um caso exemplar é Andrea Simi. Formada em marketing e pós-graduada em relações públicas, Andrea se tornou uma rara especialista na gestão de patrocínios focados no automobilismo. Já atendeu várias categorias do esporte a motor, inclusive projetos na Fórmula 1, e isso lhe deu conhecimento profundo dos bastidores das marcas do setor automotivo.
“Trabalhar com o que a gente ama é prazeroso, mas nem por isso é fácil! Mas quando você encerra uma etapa, ou mesmo uma temporada, a sensação é incrível. É muito trabalho para fazer um evento como o da Stock”, comenta. “Felizmente nós hoje entendemos bem os objetivos das marcas, os caminhos que cada cliente prefere tomar, então tudo transcorre de uma forma profissional e orgânica”, conta ela.
A paranaense Luciana Cassolato Barcik tem o mesmo papel de Andrea Simi, mas na equipe Shell V-Power, que estrou na Stock apenas em 2020. Com personalidade e iniciativa, ela foi a grande incentivadora do marido, Joselmo Barcik, para largar o emprego como engenheiro e encarar o desafio de criar um novo time – que já conquistou vitórias no ano de estreia.
“Quando surgiu a oportunidade, a primeira frase que disse ao Joselmo foi: ‘Estou ao teu lado para o que der e vier!’. Dali em diante, as coisas começaram a se encaixar”, lembra Luciana.
“O nível da nossa parceria no dia-a-dia é muito forte e o suporte que um dá para o outro é fundamental. Sabemos o quanto as pessoas da equipe nos vêm com esse olhar de referência e de liderança. Temos muita consciência do quanto tudo isso é importante”, explica.
Vivendo um sonho – A sensação de realização pessoal também é o que estimula Letícia Datena. Aos 35 anos, a jornalista é filha do apresentador José Luiz Datena e hoje é uma das responsáveis pela produção de conteúdo digital da Stock Car. Letícia diz que seu trabalho na Stock é a materialização de um sonho, depois de já ter feito a cobertura de duas Copas do Mundo e de eventos internacionais como o Dakar, Sertões e o Mundial de Rali.
“O que eu tenho na Stock Car é uma oportunidade incrível de viver a minha paixão pela velocidade e de participar de uma categoria que cresce dentro e fora do Brasil. Meus colegas de outros países sempre me perguntam sobre o campeonato, querem saber como é e como estão os ídolos brasileiros que fizeram nome no exterior. A rotina na Stock Car é puxada, a gente nunca para de produzir matérias e de viajar. Mas é uma delícia. Não quero outra coisa na vida”, diz.