Goiânia ainda não está preparada para novos modais de transporte, diz urbanista

Para especialista as pessoas só deixaram de usar menos os carros, dando espaço a novos modais, se cidades forem planejadas para deslocamentos menores

O forte impacto econômico causado pelas frequentes altas no preço dos combustíveis nos últimos anos tem feito muita gente repensar o uso do carro e também optar cada vez mais por outros modais de transporte, como as motos e patinetes elétricos e também as tradicionais bicicletas. Para se ter uma ideia, as vendas de veículos eletrificados leves cresceram 115% no primeiro trimestre deste ano na comparação com os três primeiros meses de 2021, segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). No total, foram 9.844 unidades vendidas, contra 4.582 no mesmo período de 2021.

Já a pesquisa “Perfil do Ciclista 2021”, realizada pela ONG Transporte Ativo e pelo Laboratório de Mobilidade Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aponta que 26% dos 10 mil ciclistas entrevistados afirmaram usar a bike como meio de transporte há menos de dois anos. Entre quem já usava a bicicleta antes desse período e os que começaram a pedalar recentemente, 75,4% disseram que tem o trabalho como principal destino.

Para o arquiteto e urbanista Paulo Renato Alves, que atuou como consultor junto à Câmara Municipal durante a tramitação do recém-aprovado Plano Diretor de Goiânia, a alta dos combustíveis pode até ser um bom estímulo para muita gente usar menos o carro, o que sob o ponto de vista de sustentabilidade e qualidade de vida é bem-vindo, mas ele avalia que as pessoas só irão deixar seus veículos automotores em casa se a cidade estiver preparada para isso.

Alta dos combustíveis tem dado espaço novos modais de mobilidade, como as scooters elétricas. Foto: Pixabay/Freepik

Cultura do carro

Para o especialista, ainda hoje os automóveis e motos ditam a ocupação e o planejamento urbano das cidades brasileiras, em Goiânia inclusive. “Quais são as principais obras de infraestrutura de mobilidade que são feitas na nossa cidade? Viaduto. Nos últimos anos foi praticamente um viaduto por ano. É um equipamento urbano que melhora a fluidez do trânsito de carros, motos e ônibus, mas quanto mais espaços você dá para os veículos automotores, mais espaço você tira dos pedestres e dos ciclistas, sem falar na questão da poluição”, esclarece.

Apesar de admitir um começo de conscientização, especialmente por parte das novas gerações, Paulo Renato avalia que as populações nos grandes centros urbanos do Brasil, em sua grande maioria, ainda têm uma cultura do carro muito forte. “Além de anos de estímulo pela propaganda para que compremos e renovemos sempre os nossos carros, essa cultura tem a ver com a forma como as cidades, ao longo de décadas, foram planejadas, fazendo com que as pessoas tenham que se deslocar para longe de onde moram, para conseguir trabalho, saúde, ter acesso a um lazer melhor, a um bom restaurante, a um shopping. Era aquela coisa da cidade com um único grande centro comercial e administrativo”, explica.

Uma pesquisa de 2019 feita pelo aplicativo de mobilidade 99 Pop, em parceria com o Instituto Ipsos, demonstra como é enorme o impacto da mobilidade na vida das pessoas, quando não há planejamento urbano. De acordo com o levantamento, os brasileiros gastam, em média, 32 dias no trânsito por ano. Já o estudo Mapa das Desigualdades do Rio de Janeiro, feito em 2020 pela organização não governamental Casa Fluminense, revela que o custo com passagens de ônibus compromete mais de um terço da renda de quem mora em áreas periféricas da região metropolitana do Rio. “Seja um cidadão de baixa renda ou alguém com condições, essa pessoa irá se deslocar mais se ele não tiver próximo de casa o que ele precisa. Isso é inevitável”, frisa.

Corredores de ônibus ajudam na mobilidade urbana de grandes centros como Goiânia. Foto: Prefeitura de Goiânia

Longos deslocamentos

O urbanista lembra que Goiânia, assim como outros grandes centros urbanos, ainda não está preparada para receber esses novos veículos elétricos leves, como scooters e patinetes elétricos, que começaram a se popularizar. “É importante você ter uma cidade com essas centralidades autônomas, com acesso aos serviços essenciais mais próximo possível, porque esses veículos elétricos, mesmo sendo muito mais econômicos na comparação com carros, eles não são feitos para deslocamentos muito longos. Portanto, para estimular esses meios de transportes que são menos poluentes, o cidadão não pode ter que se deslocar muito longe para ter que trabalhar, ir à escola ou faculdade, para ter acesso ao lazer”, argumenta.

O urbanista explica que Goiânia, a exemplo de outros centros urbanos no Brasil, possui muitos vazios urbanos ou espaços mal aproveitados, especialmente nas áreas periféricas. “Para se criar e desenvolver essas centralidades autônomas, onde as pessoas possam ter acesso fácil a quase todas as suas necessidades do dia a dia, mais do que asfalto, luz e rede de saneamento, é necessário que o poder público crie no bairro uma atratividade, como uma praça grande, um parque urbano bem equipado, uma avenida que possa receber muitos e bons comércios. As pessoas não vão morar onde não há atratividade, acesso fácil ao que precisam. Não é à toa que bairros como Bueno, Marista e Setor Oeste, apesar do alto valor do m², ainda são disputadíssimos para se morar, porque mais do que boas moradias, eles oferecem muita comodidade”, argumenta.

Fachada ativa

Conforme o urbanista, a preocupação do poder público em se pensar Goiânia de forma a privilegiar os modais de transporte mais sustentáveis, como a bicicleta, é algo muito recente. Aliás, ele revela que somente neste último Plano Diretor, aprovado este ano e que deve entrar em vigor no mês de setembro, é que há algumas poucas iniciativas que incentivam essa mobilidade mais limpa. Uma delas é o estímulo à construção de prédios com a chamada fachada ativa. “No Plano Diretor, a prefeitura está autorizada a conceder alguns incentivos fiscais a incorporadoras e construtoras que fizerem empreendimentos com pequenos comércios no térreo. Essa é uma iniciativa que estimula o comércio local para que as pessoas não precisem se deslocar tanto”, esclarece o urbanista.

Paulo Renato também cita os corredores para o transporte público como um relativo avanço para melhorar a mobilidade urbana da capital. Mas ele lembra que Goiânia ainda tem um transporte público muito ruim, onde ônibus movidos à diesel são a principal base. “Goiânia não conta ainda com um grande meio de transporte de massa que seja mais limpo e eficiente, como o metrô. Teremos em breve o BRT, mas ainda sim não será suficiente. As poucas ciclofaixas que existem não se interligam”, pontua.

Em 15 minutos

Para Paulo Renato, numa cidade que se organiza em múltiplas centralidades autônomas, onde o morador, a poucos passos de casa, consegue ter acesso a tudo o que ele precisa no dia a dia, o uso do carro acaba sendo, de fato, pouco necessário. Como um bom exemplo a ser seguido, ele cita o que tem sido feito em Paris, que tem adotado o conceito de “Cidade em 15 Minutos”, criado pelo renomado urbanista Carlos Moreno, professor da Universidade de Sorbonne na França.

“O objetivo desse modelo é combater essa expansão espacial e temporal desordenadas que os veículos automotores levaram às cidades, promovendo a proximidade dos empregos, de serviços essenciais, parques e praças públicas, comércio e uma variedade de opções de entretenimento, conectados e acessados por meio da mobilidade ativa, bicicleta ou a pé ou então até mesmo com esses novos veículos elétricos leves”, explica Paulo Renato.

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