A gente é doutrinado, desde que começa a brincar de entender o mundo, a buscar o que tanto chamam de felicidade. De concreto a gente sabe pouco. Como ela é? Poucos se atrevem a descrever. Quem diz que conhece desperta de cara a desconfiança. Será mesmo? Os que teimam em dizer que a conquistaram geralmente têm pouca ou nenhuma credibilidade. E se essa busca na verdade for uma construção? Como um quebra-cabeça, um mosaico, que a gente não precisa encontrar no final do túnel escuro, mas que cada um é capaz de montar ao longo da sua jornada. As peças são dadas por nós e para nós diariamente, em doses homeopáticas, muitas vezes imperceptíveis ou com aquele vigor que bambeia as pernas. Como naqueles momentos em que a gente nem percebe que, tcha-rããm, está se sendo feliz e só se dá conta quando lembra, bem depois que passou, quando olha de novo e sente falta. E se estamos falando sobre um mural de momentos, fragmentos que fazem bem, você já parou para dar valor ao alívio? Colocar para fora, esvaziar, tirar o peso, livrar-se da agonia, do que prende, do que perturba e, assim, não caberia no nosso mosaico. Pode chamar do que quiser. O fato é que poucos momentos são tão libertadores quanto aqueles em que eu e você podemos cuspir para fora o que está entalado. E como a gente pode fazer isso? Eu vos digo: reclamando mais. O mundo nos disse e diz constantemente que os reclamões não são legais. Pois eu digo que reclamar é preciso.
Nenhum de nós pode bater no peito e esbravejar que todos os dias são perfeitos. Coisas ruins acontecem, imprevistos, chateações, desentendimentos, surpresas desagradáveis e uma infinidade de outras circunstância que vão, sim, nos desagradar, incomodar, chatear, oprimir, apertar, irritar, enfurecer e o escambau. E se o nosso mosaico da tal da felicidade puder ficar ainda mais completo mesmo nesses casos? Ele pode. Alguns dos alívios mais prazerosos são aqueles em que se pode arrotar com voracidade aquilo que fez mal. São instantes que podem ser mínimos ou compridos, enérgicos ou sutis. O que vale é o efeito de se aliviar, se sentir leve, de deixar o peso cair, de rasgar o peito e tirar a angústia com a mão, deixar o café derramar na xícara. O alívio é uma das sensações que não precisam, nem podem, ser ignoradas. Que delícia poder sentar em uma mesa com aqueles amigos, aqueles três ou quatro com quem a gente não precisa de meias palavras, e soltar o verbo. Se o cenário permitir algumas taças de vinho, melhor ainda.
Reclamar é democrático, é simples, é reconfortante e pode ser até divertido. Os iniciantes podem começar com um “eu não gostei” ou “não achei legal”. Reclame sim, não o dia todo, mas quando for preciso, quando der na telha, quando o grito pedir para ecoar. Mas não seria imaturidade? Eu discordo, acho que reclamar está muito mais próximo da maturidade, do esclarecimento do que desagrada e do entendimento do que pode ser feito a respeito. E para quem pensa que é um ato imaturo, tudo bem, não tem problema. Afinal, que maçante viver em um mundo onde é preciso ser maduro o tempo todo, não é mesmo? Venhamos e convenhamos, ninguém merece buscar uma tal de uma felicidade que parece tão distante quando pode estar tão perto dela com um simples suspiro relaxado, um grito de socorro ou uma revirada de olhos. E se esse momento vier acompanhado de uma boa gargalhada no final, bingo (!), você tem mais uma peça no seu mosaico.
Lucas Pereira é jornalista, escritor e assessor de imprensa