Quem acompanhou a trajetória do garoto humilde, que estudou em escola pública e nasceu na pequena cidade de Guaçuí, no interior do Espírito Santo, nunca teve dúvidas de que, apesar das dificuldades, seu futuro seria promissor. Flávio Figueiredo Assis promete fazer história ao lançar o primeiro carro elétrico originalmente brasileiro. Mais do que contribuir para a mudança da matriz energética, impactando positivamente o meio ambiente, sua missão é mudar a imagem do Brasil para o mundo. Sua inspiração é o bilionário norte-americano Elon Musk, que tem uma história semelhante à do empresário.
Formado em Direito e Contabilidade, Assis se mudou para a capital em busca de uma vida melhor. Iniciou sua carreira como bancário e pouco tempo depois partiu para o empreendedorismo, com a criação da Financial Contabilidade que, sob gestão do primeiro funcionário e agora sócio, Iledson Luiz Fracalossi, se tornou referência em benefícios fiscais, atendendo mais de 400 clientes. Logo depois, fundou a Lecard, uma administradora de cartões PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador) que chegou a uma movimentação anual de R$ 1 bilhão, fornecendo para mais de 600 prefeituras e órgãos públicos e mais de 3 mil empresas privadas.
Em 2022, vendeu Lecard com o intuito de acelerar um sonho ainda mais potente: criar a primeira montadora de carros elétricos do Brasil. A ideia surgiu quando o advogado se deparou com a Lei 8.723, publicada em 1993, que regulamenta a redução de emissões de CO2 de veículos com prazo final em 2027, encerrando a utilização de motores a combustão em veículos automotores fabricados a partir de 2028.
De olho nessa oportunidade, em 02/02/2022, o empresário deu início à Lecar, com sede em Alphaville, São Paulo, e planta Industrial em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul. A primeira iniciativa foi formar um time de engenharia automobilística altamente qualificado e experiente. Hoje, a equipe conta com 30 profissionais, muitos deles com passagens importantes por empresas como Gurgel, Troller, JPX, Ford, Toyota, Nissan e Marcopolo.
O capital é 100% próprio, mas a expectativa é fazer o IPO (oferta pública inicial) em 2025. “Além de um projeto que favorece a mobilidade e a sustentabilidade, nosso objetivo é fazer com que o Brasil seja visto de forma valorizada, assim como sempre deveríamos ser vistos. Somos a oitava economia do mundo e ainda não tínhamos nenhuma montadora nacional. Vamos mudar o rumo da história”, pontua.
Ao iniciar o projeto de design do carro, Assis logo identificou a cidade de Caxias do Sul como o melhor local para montar sua fábrica, visto que vários fornecedores do ecossistema de mobilidade se encontram na região. Lá, a equipe desmontou um Tesla a fim entender a engenharia do concorrente à fundo.
Cerca de 35% das peças do Lecar Model 459, o primeiro veículo da companhia, serão importadas da China. Motores e baterias virão do fabricante chinês Wiston, que fornece também para outras duas gigantes do setor: Volkswagen e Hyundai. O restante será produzido no Brasil. “Nosso país é privilegiado, com matéria-prima apropriada e abundante para a produção de carros 100% elétricos”, esclarece.
Sempre atento a oportunidades, os contratos fechados com vários fornecedores preveem a transferência de tecnologia e cooperação técnica, científica e operacional, o que viabiliza uma fábrica de células de bateria e motores elétricos no Brasil, permitindo a autossuficiência na produção de carros elétricos. “Temos em nosso país, 97% dos minerais que compõe as células de baterias. Além de sermos autossuficientes, podemos ainda nos tornarmos protagonistas e uma grande referência no mercado global de veículos elétricos, fornecendo automóveis para outros países. Nossos carros vão interessar a quem cuida do meio ambiente também em outros países”, anima-se o empresário.
Em fevereiro, o carro, cujo protótipo está em desenvolvimento, segue para uma série de homologações em Londres, na Inglaterra, onde será submetido a avaliações de impacto, aerodinâmica e simuladores de segurança. Essa etapa terá duração de até nove meses. Depois disso, o produto entrará em linha de produção, devendo estar disponível ao mercado a partir de dezembro de 2024.
O Lecar Model 459 terá um custo de R$ 279 mil e autonomia de 400km por carga. A carga tributária é de 43%. “Precisamos que o governo se conscientize sobre a importância dos carros elétricos para o Brasil e crie uma política de incentivos a fim de termos preços mais competitivos”, destaca Assis. A empresa também planeja a criação do Lecar POP, uma versão popular e com o uso de baterias e motores elétricos produzidos no Brasil que, com os mesmos incentivos fiscais aos elétricos existentes em diversos países, teria o custo estimado de R$ 100 mil e autonomia de 200km por carga.
A estimativa é produzir 300 veículos por mês já no primeiro ano de fabricação, gerando 600 empregos diretos e R$ 1 bilhão de faturamento. O foco das vendas será a Grande São Paulo, especialmente entre a capital, Campinas e São José dos Campos, onde a empresa deve investir em uma rede de infraestrutura para recarregamento de bateria. Também está previsto, já para 2025, a criação de uma rede de carregamento próprio ao longo de toda BR 101, com carregadores rápidos disponíveis a cada 150km da rodovia. Até 2030, a empresa espera oferecer cobertura total nas principais rodovias do país.
Em um segundo momento, além da expansão para todo o território nacional, o visionário planeja a internacionalização de sua montadora, especialmente para EUA, França, Itália e Mônaco. “Já estamos alinhando uma série de parcerias nesses países para levar nossa marca para o mundo”, orgulha-se.
Em cinco anos, a Lecar pretende produzir 50 mil carros por ano, com geração de 6 mil empregos diretos e R$ 13 bilhões de faturamento anual. A empresa pretende, ainda, criar um plano de assinaturas, mudando a cultura da posse para a de acesso. “As pessoas não precisam ter um carro, o que elas precisam é de mobilidade”, argumenta. A assinatura base para o plano de locação de 36 meses será oferecida por aproximadamente 3% do valor de venda para uma quilometragem mensal de 1 mil km.
O grande diferencial da Lecar é o de não apenas fabricar um carro elétrico no Brasil, mas desenvolver um produto totalmente pensado para o país. “Tenho um Tesla e, definitivamente, ele não foi estruturado para rodar pelas ruas e estradas brasileiras. Ele sofre a cada buraco. Nosso projeto é de um carro feito para os desafios das estradas do Brasil, com tecnologia de ponta, resistência, prazer na direção e alinhado à necessidade de redução de emissões de CO2, que foi o grande motivador para embarcarmos nesse projeto”, finaliza.
Questions & Answers – Lecar
Crédito: Flávio Figueiredo Assis, fundador
- Quais motivos o levaram a fundar a primeira montadora de carros elétricos do Brasil?
Me deparei com a Lei 8723/1993, que regulamenta as emissões de CO2 em veículos automotores, fazendo cálculos do coeficiente de redução de emissões e, percebi que em 2027, nenhum tipo de motor a combustão será utilizado na fabricação de veículos.
- Qual experiência você já tinha na área?
Sou formado em Direito e Contabilidade, fundei e administrei uma empresa de cartão alimentação, a LECARD, por nove anos, que movimentou bilhões e vi a oportunidade de empreender em um segmento novo para todos, pois as gigantes do setor automobilístico também estão aprendendo a fazer carros elétricos.
- Qual foi o primeiro passo necessário?
O primeiro passo foi desenvolver o design. Algumas tarefas são verticalizadas nas montadoras, não tendo esses serviços disponíveis para contratação. Outro desafio foi a engenharia. Como ninguém tinha feito carro elétrico e, com medo do desafio, vários desistiram com medo de fracassar. Foi também uma longa jornada até chegar a Caxias do Sul, onde encontramos muitos fornecedores já desenvolvidos para atender com excelência demandas de mobilidade.
- Carro elétrico é moda passageira?
O mercado não fala o real motivo dos automóveis elétricos. Não é modinha, é uma Lei da ONU, onde o Brasil e mais 192 nações são signatárias. No Brasil, a Lei é a 8723/1993, que determina uma redução progressiva da redução de C02 dos veículos automotores. Desde 1993, os especialistas já previram o caos climático e a necessidade de cuidar melhor do meio ambiente.
- Por que escolheu fundar a Lecar em Alphaville, São Paulo, e a planta industrial em Caxias do Sul, no RS?
Eu moro em Alphaville desde 2021 e, foi natural o projeto nascer aqui. No entanto, os fornecedores são de Caxias do Sul/RS e a planta industrial tinha que ser lá.
- Como foi a seleção do time?
Dois anos atrás, a Ford e a Mercedes-Benz fecharam suas fábricas no Brasil e pensei em buscar esses profissionais. A primeira reunião com os engenheiros da Ford/Troller, em Fortaleza, foi em março de 2022. Uma equipe perfeita para desenvolver um carro do zero.
- O carro custará R$ 279 mil. Qual será a carga tributária?
A carga tributária para carros elétricos no Brasil segue a mesma tributação dos automóveis a combustão, ou seja, 43% de impostos federais, municipais e previdenciários. Precisamos buscar incentivos do governo para tornar os preços mais acessíveis à população, visto que o benefício ambiental é enorme.
- O Model 459 será o único modelo da marca?
Teremos outros modelos, principalmente após o lançamento do Model 459. Iremos sempre ouvir o desejo e a necessidade dos brasileiros para os próximos lançamentos. Somos a montadora de carros que desenvolve seus produtos ouvindo as necessidades do mercado.
Nós planejamos o Lecar POP, uma versão popular e com uso de baterias e motores elétricos produzidos no Brasil que, com os mesmos incentivos fiscais aos elétricos existentes em diversos países, teria o custo estimado de R$ 100 mil e autonomia de 200km por carga.
- O carro será autônomo?
Teremos um assistente de direção exigido na legislação do Brasil. Nosso código de trânsito prevê que não podemos conduzir um veículo sem a mão ao volante. Teremos muitas assistências à direção, porém, no limite da legislação.
- Quanto foi investido no projeto?
Na fase de projeto e homologação, iremos investir R$ 80 milhões de reais.
Na segunda fase, investiremos R$ 600 milhões de reais em obras civis, ferramental, moldes, montagem, integração, automação e robotização da linha de produção.
Na terceira, que será a produção de 300 carros mês, iremos investir R$ 400 milhões de reais. No total, serão R$ 1.080 bilhão.
- Quais são os maiores desafios dessa missão?
A burocracia. São 98 homologações previstas em Lei. As mais complexas são as de impacto. Iremos enviar três carros para testes em Londres, na Inglaterra, e nunca mais os veremos. Após estes testes que praticamente inutilizam os carros, eles ficarão em um depósito por cinco anos, à disposição das autoridades. Por isso, minha formação e habilidades são tão úteis ao projeto. Direito e Contabilidade têm mais a ver com carros que eu poderia imaginar.
- Quais são as maiores dificuldades de projetar um carro especialmente para as estradas brasileiras?
Temos boas estradas no Brasil, mas a maioria são bastante desafiadoras para carros não pensados e com soluções específicas para elas. Uma suspensão e estrutura adequada possibilita maior durabilidade, segurança e conforto na condução.
- Há capital suficiente para sustentar a montadora até 2025, quando pretende fazer o IPO?
Nosso plano de negócios foi planejado ao contrário. Quantos carros podemos produzir com capital próprio? Ainda podemos buscar investidores e financiamentos antes do IPO. Nosso crescimento foi pensando em sustentabilidade. Iremos crescer com os lucros da companhia.
- Quanto financeiramente a empresa pretende levantar num possível IPO? E como seria utilizado o montante levantado?
Pretendemos captar R$ 5 bilhões de reais na bolsa para produzir 50 mil carros em 5 anos, com receita estimada em R$ 14 bilhões de reais. Sem investimentos, iremos produzir 18 mil carros em 5 anos. Além disso, com o IPO, vamos ampliar os investimentos em pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias a fim de internalizar a produção de células de baterias e motores elétricos.
Temos no Brasil 97% dos minerais para produção de células de baterias, e vamos investir para ter uma fábrica de células de baterias no Brasil, assim como de motores elétricos para nossos automóveis.
- O futuro do projeto depende do sucesso nessa operação?
Temos interesse de captar recursos na bolsa, porém, não dependemos de capital de terceiros para o sucesso do projeto e produção de 300 carros mês.
- Como você enxerga o mercado de carros elétricos no país para iniciar esse projeto?
Trata-se de uma transição de tecnologia e matriz energética, que impacta toda mobilidade global. O novo que encanta e, ao mesmo tempo, assusta a todos. Mas, é um caminho sem volta.
- Como analisa a concorrência da Lecar no segmento de eletrificado diante de gigantes como Toyota, BYD, GWM, etc?
Os desafios com a mudança da matriz energética são iguais para todas as montadoras, as tradicionais e as entrantes. Acreditamos que, em toda mudança de tecnologia, surgem novos líderes. O Brasil, através da LECAR, irá protagonizar o cenário global de automóveis elétricos. Iremos agradar a quem cuida do meio ambiente até em outros países.
Se tivermos no Brasil os mesmos incentivos fiscais que existem nos USA e China para produção carros, iremos competir com vantagens financeiras, pois os importados elétricos começaram a ser tributados recentemente por aqui. A carga tributária para automóveis chega a 43% no Brasil e, com tratamento fiscal diferenciado, teremos nosso carro com um preço que caiba no bolso do brasileiro.
Pensamos no ecossistema dos carros elétricos de forma sustentável e funcional. Temos propostas claras de oferecer infraestrutura de carregamento nas 10 maiores rodovias do Brasil, totalizando 36.437 Km, da seguinte forma:
2025: BR-101, BR-116, BR-230 e BR-262, totalizando 15.642 km de infraestrutura;
2026: BR-174, BR-163, BR-153, totalizando 10.487 km de infraestrutura;
2027: BR-135, BR-158 e BR-364, totalizando 10.308 km de infraestrutura
Nascemos para servir o Brasil com um projeto apropriado para as condições de nossas estradas e características de uso do carro pelo brasileiro. Um projeto que irá crescer e se ajustar cada dia mais às necessidades apontadas pelo nosso povo.
Estamos sempre atentos e ouvindo o Brasil para desenvolver um produto que surpreenda em tecnologia, usabilidade, conforto, segurança e focado em como reduzir os nossos custos para oferecer um carro acessível ao brasileiro. Acreditamos que mobilidade é um fator de crescimento de uma nação. Uma empresa 100% nacional, que oferece mobilidade sustentável, que cuida do meio ambiente, sempre será a melhor escolha entre os concorrentes.
- Como estão as parcerias com as importadoras internacionais para fabricação e manutenção dos carros?
Nosso motor elétrico, bateria, invasores e controladores são da empresa chinesa Wiston, que fornece para as gigantes Volkswagen e Hyundai. Temos as melhores tecnologias do mercado, sempre atualizadas e com fornecedores fortes e tradicionais.
- Cerca de 35% das peças serão importadas da China. Como enxerga essa dependência do ponto de vista econômico do país?
A China, juntamente com os EUA, domina a tecnologia de automóveis elétricos. Para o momento é a única alternativa viável. No entanto, vamos investir pesado em pesquisa e desenvolvimento para, em poucos anos, ter nossa autonomia em todas as etapas de produção.
- Qual será o impacto para a cadeia automobilística brasileira?
Iremos produzir poucas unidades inicialmente. O Brasil emplacou, em média, 2.3 milhões de automóveis por ano nos últimos 10 anos. Não teremos uma grande participação no market share, mas acreditamos que o crescimento dos elétricos deve ser proporcional à infraestrutura de abastecimento.
- Qual será o impacto para a economia do RS? E do Brasil?
Apenas 35% do carro será importado. Cerca de 60% vêm do RS. Será um grande diferencial para o estado ter a primeira fábrica de automóveis elétricos do Brasil. Um estado com vocação industrial, de inovação e protagonismo.
Para o Brasil, nossa missão é fazer com que sejamos vistos com todo o respeito que merecemos. Queremos que o mundo nos conheça e que invista aqui.
- Existe perspectiva de novas parcerias internacionais?
Estamos em plena transição energética e de tecnologia da mobilidade. Da mesma forma que estamos recebendo muita contribuição, também estamos compartilhando as nossas. As montadoras são muito receptivas e parceiras das montadoras entrantes. Temos velocidade e testamos muito, com custo de uma fração de qualquer projeto deles. Desse ambiente colaborativo sempre surgem parcerias internacionais, pois a matriz de qualquer montadora no Brasil é de outro país.
- Qual a estratégia para atingir os mercados internacionais (EUA, França, Itália e Mônaco)?
São mercados onde temos relações pessoais mais fortes e, consequentemente, com a notícia de empreendermos nessa área, surgiu o interesse pelo projeto. Para receber investimentos e gerar empregos, o Brasil oferece vantagens fiscais, linhas de financiamento, juros subsidiados entre outras regalias para companhias estrangeiras. Quando levamos nosso projeto para outras nações, elas também nos oferecem vantagens competitivas.
- Qual é a expectativa de faturamento da empresa em 2025?
Nossa produção inicial será de 300 automóveis/mês, 3.600 automóveis ano, vendidos por R$ 279 mil, o que gerará um faturamento de mais de R$ 1 bilhão. Essa é uma previsão, pois, com o incremento de capital através de investidores, empréstimos e/ou IPO, temos como crescer de 5 a 10 vezes a produção e, consequentemente, o faturamento. Ou seja, no período de 2025/2026 podemos faturar entre R$ 5 e R$ 10 bilhões.
- Quais as suas metas de curto e longo prazo com a montadora?
Nossa meta é receber incentivos fiscais e um olhar diferenciado do governo para a mobilidade do país. Este é um fator de desenvolvimento de qualquer nação. Podemos reduzir os preços dos nossos produtos e ganharmos escala na produção para elevar o Brasil ao patamar que representa sermos a oitava economia do mundo, tendo uma montadora de automóveis à altura dessa posição. Queremos promover orgulho ao brasileiro. Os apaixonados por carros terão um carro para chamar de seu.