Segundo dados do DataSUS, nos últimos 20 anos, os suicídios no Brasil subiram de 7 mil para 14 mil, mais de um a cada hora, sem contar os casos que não foram notificados. O Brasil está na contramão do mundo nesse quesito, uma vez que a média mundial de suicídio teve uma queda de 36% entre 2000 e 2019, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que o número de suicídios no Brasil em 2020 foi de 12.895, com variação de apenas 0,4% em relação a 2019, quando foram registrados 12.745 casos. A tendência no país é de alta: em 2012, foram 6.905 casos.
O comportamento suicida envolve uma complexa interação de fatores psicológicos e biológicos, inclusive genéticos, culturais e socioambientais, segundo Danielle H. Admoni, psiquiatra geral, preceptora na residência da Escola Paulista de Medicina UNIFESP e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
“Estima-se que de 15 a 25% das pessoas que tentam suicídio cometem nova tentativa no ano seguinte, e 10% conseguem consumar o ato em algum momento no período de 10 anos, compreendido entre a tentativa anterior e o suicídio consumado. Ao longo da vida, de cada 100 pessoas, 17 chegam a pensar em suicídio”, relata Danielle Admoni.
Entretanto, a psiquiatra explica que o ato suicida nem sempre envolve planejamento, ou seja, em muitos casos, a pessoa pode cometer suicídio por impulso, sem ter demonstrado previamente a intenção. “O grupo de maior risco é o das pessoas que já tentaram o suicídio. Apenas uma em cada três delas chega ao pronto-socorro, recebe o primeiro atendimento, mas nem sempre é encaminhada para serviços de saúde mental, onde pode receber cuidados adequados. Sem isso, a maioria pode voltar a tentar o suicídio”.
Depressão: principal causa de suicídio
Um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) apontou um aumento de 90,5% nos casos de depressão entre os brasileiros, desde o início da pandemia. A doença, tida como uma das mais incapacitantes do mundo pela OMS, é a principal causa de suicídio, seguida pelo transtorno bipolar e abuso de substâncias.
“A depressão pode ser resultado de alterações nos neurotransmissores do cérebro (como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina, responsáveis pela sensação de prazer e bem-estar) ou de fatores como genética, problemas pessoais graves, traumas, abuso de substâncias lícitas e ilícitas, entre outros, gerando um quadro debilitante e difícil de lidar sem ajuda”, explica Danielle Admoni.
Segundo ela, erros e preconceitos vêm sendo historicamente repetidos, contribuindo para a formação de um estigma em torno da doença mental e do comportamento suicida.
“Em pleno século XXI, numa era em que temos acesso facilitado a todo tipo de informação, o preconceito com as doenças mentais e com as terapias ainda persiste. O estigma resulta de um processo em que as pessoas passam a se sentir envergonhadas, excluídas e discriminadas. Isso acaba intimidando e impedindo pessoas portadoras de transtornos mentais a buscarem tratamentos adequados”.
Mitos sobre o comportamento suicida
Para auxiliar o entendimento e desmitificar o tabu em torno do assunto, a especialista listou os principais mitos acerca do comportamento suicida:
Quando uma pessoa pensa em se suicidar, terá risco de suicídio para o resto da vida
Falso. O risco de suicídio pode ser eficazmente tratado e, após isso, a pessoa não estará mais em risco.
As pessoas que ameaçam se matar só querem apenas chamar a atenção
Falso. A maioria dos suicidas fala ou dá sinais sobre suas ideias de morte. De alguma forma, boa parte dos suicidas expressou seu desejo de se matar, seja para médicos, familiares ou amigos.
Se uma pessoa que pensava em suicidar-se, em um momento seguinte passa a se sentir melhor, significa que o problema já passou
Falso. Se alguém cogitou o suicídio, mas depois aparenta estar tranquilo, não significa que tenha desistido da ideia. Uma pessoa que decidiu suicidar-se pode se sentir aliviado simplesmente por ter tomado a decisão de se matar, passando aos outros a impressão de que já está tudo bem.
Quando um indivíduo mostra sinais de melhora ou sobrevive a uma tentativa de suicídio, está fora de perigo
Falso. Um dos períodos mais perigosos é quando se está melhorando da crise que motivou a tentativa, ou quando a pessoa ainda está no hospital, após uma tentativa felizmente fracassada. A semana que se segue à alta do hospital é um período em que a pessoa está particularmente fragilizada. Como um preditor do comportamento futuro é o comportamento passado, a pessoa suicida, muitas vezes, continua em alto risco.
Não devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco
Falso. Falar sobre suicídio não aumenta o risco. Muito pelo contrário. Falar com alguém sobre o assunto pode aliviar a angústia e a tensão que esses pensamentos trazem.
O suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito a exercitar o seu livre arbítrio
Falso. Os suicidas estão passando quase invariavelmente por uma doença mental que altera, de forma radical, a sua percepção da realidade, interferindo em seu livre arbítrio. O tratamento eficaz da doença mental é o pilar mais importante da prevenção do suicídio.
Sinais que merecem atenção
De acordo com Danielle Admoni, alguns sintomas e comportamentos podem sinalizar que uma pessoa precisa de ajuda. “Tristeza profunda e contínua, apatia, desânimo, perda do interesse pelas atividades que gostava de fazer, pensamentos negativos, alterações do sono, falta de libido e falta de apetite são sinais de alerta. O indivíduo pode ter dificuldade de perceber ou até de reconhecer que há algo de errado”.
“Vale lembrar que as Unidades de Urgência e Emergência (geral e/ou psiquiátrica) e o CVV (Centro de Valorização da Vida) são de fundamental importância para os indivíduos que estão em situação de crise. Portanto, ao menor sinal de alterações no comportamento compatíveis às características citadas acima, é imprescindível buscar ajuda médica o mais rápido possível”, alerta Danielle Admoni.